Uso de ideias alheias: problema ou paranoia?

APP cria campanha para convencer os criativos a registrarem suas inspirações; profissionais da área, no entanto, apontam outros motivos para a geração de ideias semelhantes

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Bárbara Sacchitiello - Meio Mensagem
Postado em: 13/08/2018
Quem trabalha na área de criação de agências de publicidade certamente já viveu – ou presenciou – uma situação desse tipo: uma ideia de campanha ou ação publicitária é debatida em reuniões ou conversas informais, mas, por alguma razão, não é levada adiante.

 

Tempos depois, ao assistir televisão ou visitar alguma página na internet, aquela mesma ideia, as vezes em roupagem um pouco diferente, aparece em forma de comercial de TV, anúncio ou rede social ou outro formato publicitário.

Assunto bem

polêmico e recorrente nesse ambiente, o uso de ideias alheias tornou-se, recentemente, alvo de uma campanha da Associação dos Profissionais de Propaganda (APP-Brasil). Com o conceito de “Publicitários: registrem suas ideias”, a ação alerta sobre a importância de formalizar aquela inspiração que vem à mente, evitando, assim, ver aquele mesmo conceito aproveitado em uma campanha de outra marca ou agência. Ciente de que esse tipo de caso acontece em qualquer atividade onde a ideia é o principal produto, Claudio Kalim, sócio e CEO da Tech & Soul, agência responsável pela campanha da APP, diz que é necessário colocar o assunto em discussão. “É importante existir uma conscientização da cadeia de comunicação sobre o valor de uma ideia original que, muitas vezes, acaba tendo essas utilizações indevidas. O mercado precisa tratar esse assunto de forma urgente, fazendo as pessoas entenderem que nosso principal produto é a ideia. Se aquilo que criamos está sendo utilizado por outra pessoa em outro projeto, é um problema grave para o mercado”, pontua o profissional, que também é vice-presidente da APP.


A campanha apresenta o assunto por meio da imagem de grandes inventores da história, cujo brilhantismo acabou obscurecido pelo fato de não registrarem seus feitos e acabaram tendo suas ideias aprimoradas e apresentadas por outros inventores. No âmbito da indústria publicitária, a campanha apresenta um novo serviço da APP, que oferece aos profissionais a possibilidade de registrar suas ideias – e, de certa forma, protege-las. “Com o depósito das ideias, a APP fornece um serviço de anterioridade, que funciona como um recibo para o profissional. Houve uma preparação para que as pessoas que fizerem o registro tenham anteparo jurídico”, explica Kalim.

Roubo ou referências iguais?
Ver uma ideia sua ou de colegas reproduzidas por outras pessoas do mercado é algo bem comum, segundo os publicitários. Mas os próprios profissionais apontam que as razões para isso acontecer não são apenas a falta de ética ou o suposto desrespeito à criação alheia. “Precisamos ser cautelosos ao afirmar que toda situação em que ideias muito similares são frutos de um ‘roubo’. A indústria criativa está muito conectada com o momento e contexto, observando as mesmas oportunidades e, muitas vezes, bebendo das mesmas referências. É possível que ideias parecidas sejam criadas ao mesmo tempo”, aponta Rafael Guaranha, diretor geral de criação da Sunset. Por essa razão, o criativo diz que o valor de uma boa ideia está, muitas vezes, em conseguir o timing correto e ser o primeiro a colocá-la em prática.

O argumento de Guaranha também é defendido por Felippe Motta, diretor de criação da Master, que considera o julgamento de apropriação de ideias algo totalmente subjetivo. “É comum que as pessoas passem pelos mesmos caminhos quando recebem um problema para resolver. As nossas sinapses acabam se esbarrando aí. E, num universo onde boa parte das referências vêm de sites que todo mundo acessa, é muito provável que alguma daquelas execuções que você achou genial, outra pessoa, em algum lugar do mundo, também tenha achado genial”, explica Motta. O criativo da Master defende que a saída para evitar situações do gênero não está na proteção das ideias desenvolvidas mas sim na diversificação de fontes de inspiração. “Encontrar novas referências ou dedicar mais tempo na fase de criação do que na execução”, sugere Motta.

Orgulho e vergonha
Apesar de conversas sobre usos de ideias alheias sempre percorrerem os corredores de agências, profissionais do mercado também acreditam que há um grande cuidado, por parte dos criativos, para que esses casos de ‘roubo’ sejam cada vez mais raros. “Há muito cuidado em relação às ideias ‘chupadas’ e o principal motivo para que isso aconteça tem relação com dois sentimentos muito presentes na vida de todo criativo: orgulho e vergonha. Quem trabalha com criação deseja o orgulho e tem medo da vergonha e trabalhos copiados vão justamente no caminho contrário dessa lógica”, aposta Rodrigo Poersch, sócio e diretor de criação da SoWhat.
Ser rápido ao apresentar seu conceito e sua inspiração também é a saída apontada por Poersch para evitar que a mesma ideia seja vista em outros contextos. O sócio e criativo da SoWhats alerta, no entanto, que é preciso cuidado para não entrar na paranoia em relação a esse assunto. “Conheço criativos que são absolutamente paranoicos com as ditas ideias ‘chupadas’, que adoram apontar o dedo na cara dos coleguinhas e, na maioria das vezes, acabam encontrando pelo em ovo. Esse tipo de profissional é tão nocivo para o mercado quanto o próprio sujeito que copia as ideias”, critica.

Para conseguir proteger suas inspirações em um mercado onde as referências e bagagem cultural acabam sendo bem parecidas é preciso, também estabelecer políticas internas clara na opinião de Guaranha, da Sunset. “É preciso ter regras claras sobre os termos de confidencialidade da agência e de seus clientes. Evitar a exposição das ideias para um número desnecessário de pessoas também é essencial. Na empolgação de um bom trabalho é comum que a equipe queira comentar com seus pares o desenrolar da coisa. A indústria criativa sempre será sobre pessoas e a construção de um processo mais seguro passará, inevitavelmente, por elas, seja a partir da construção de um senso ético ou de regras claras de conduta”, resume Guaranha.

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